RESPONSABILIDADE DOS PREPOSTOS PELO DESVIO DE VERBA PÚBLICA.
Afastando-se um pouco das convidativas teses tributárias, aqui se faz um relato técnico sobre a aplicação e extensão da responsabilidade por atos cometidos no manejo do dinheiro público pelos prepostos de entidades filantrópicas.
Em termos genéricos, tais entes, enquadrados no chamado “Terceiro Setor”, caracterizam-se pela atuação sem fins lucrativos em atividades de interesse coletivo, envolvendo, notadamente, a educação, saúde, cultura, preservação do meio ambiente e etc., auxiliando o Estado no seu dever constitucional de fornecer à sociedade os direitos basilares previstos na Carta Magna.
Nesse desiderato, com esteio nas leis 9.637/98, 9.790/99, 13.019/14, associações e fundações de direito privado podem estabelecer parcerias com a Administração Pública para a execução de um plano de trabalho firmado em comum acordo, via de regra custeado com recursos públicos. Além disso, este “conluio do bem” servirá para viabilizar repasses e demais benesses às entidades, beneficiando diretamente àqueles que delas necessitam.
Tais incentivos buscam fomentar o exercício das atividades sociais pela iniciativa privada que, em virtude da precariedade de condições e alta demanda, não são possíveis de realização exclusiva do Estado.
Destarte, ao gerenciarem recursos públicos, os administradores e demais prepostos das entidades filantrópicas podem estar sujeitos às sanções da lei 8.429/92 (lei de improbidade administrativa), que, não obstante tenha sido instituída precipuamente para coibir desvios de conduta dos agentes públicos, estendeu seu campo de incidência sob os seguintes moldes:
“Art 1º.
Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinquenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.” (grifos nossos)
Do dispositivo citado, percebe-se que os atos de improbidade referidos são os praticados contra o patrimônio da própria entidade filantrópica, e que, ainda assim, serão considerados cometidos em detrimento ao erário público, embora de maneira reflexa.
O “x” da questão a se observar é que mesmo que os valores, bens direitos ou rendas hajam sido incorporadas ao patrimônio da pessoa jurídica de direito privado, prevalecerá, por expressa vontade legal, a lesão ao erário. A própria finalidade almejada pela subvenção, benefício ou incentivo, fornecido pelo Poder Público é capaz de evidenciar que a malversação, para proveito próprio ou alheio, da respectiva verba, ensejará a quebra de probidade e consequente prejuízo para a coletividade.
É cediço que muitas dessas entidades são participantes do denominado SUS (Sistema Único de Saúde), e, portanto, conveniadas com entidades públicas encarregadas de gerir, promover, proteger, recuperar e fiscalizar ações e serviços pertinentes ao objetivo fundamental de garantia ao acesso universal e igualitário aos serviços e ações de saúde previsto no art. 2º, § 1º Lei n. 8.080\90, logo, tal condicionante acaba fortalecendo, ainda mais, a afetação pública do serviço prestado e o interesse do erário na correta gestão dos recursos recebidos ou repassados pelo Estado.
É premissa lógica-jurídica que aquele que resolve dar algo a alguém para que se aplique exclusivamente a determinado fim, terá, em contrapartida, o direito de acompanhar e fiscalizar o seu cumprimento, aplicando, para tanto, a sanção cabível em virtude de constatado desvio de finalidade pela qual ensejou a entrega.
Nesse raciocínio, com base na referida norma, se obtém da acautelatória pretensão do legislador, que a única limitação, quanto à incidência das sanções pela prática da improbidade por prepostos de entidades privadas que recebam subvenções, benefícios ou incentivos, constitui-se na aplicação das sanções patrimoniais (perda de bens ou valores, ressarcimento integral do dano, multa civil) proporcionalmente à repercussão do ilícito gerado sobre a contribuição dos cofres públicos.
Exemplificando: Imaginemos determinada entidade filantrópica que recebeu da União o incentivo creditício de R$ 500.000,00 para aplicar em seus fins benevolentes. O seu provedor, agindo em contrariedade ao estatuto e finalidade institucional, desviou o importe de R$ 700.000,00 para proveito próprio ou com objetivo alheio à finalidade social pela qual a verba foi afetada. O referido agente deverá ser sancionado, com base na Lei de Improbidade, até o limite do prejuízo correspondente à contribuição dada pela União (R$ 500.000,00), por ter sido este montante, o prejuízo direto causado ao erário.
Desta forma, conclui-se que nos casos de improbidade praticados em detrimento das entidades privadas, o verdadeiro lesado é o erário e o seu titular (a coletividade) e, mediatamente, a própria entidade.
Não obstante, tal fato não será óbice ao reconhecimento da incidência das sanções próprias previstas na Lei 8.429/1992 a serem perquiridas pelo Ministério Público, o que se faz na medida da colaboração injetada pelo Poder Público, furtada sorrateiramente da sociedade.
Rafael Cerqueira
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